A carne mais barata do mercado é a carne negra
- alexandre9639
- 1 de fev. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de fev. de 2022

Há alguns dias lamentávamos a morte da grande Elza Soares. Infelizmente, a luta que ela travou por uma sociedade mais justa e menos racista está longe de ter fim. O título de uma de suas músicas dá nome a esse texto e lembra que, em sociedades profundamente racistas e social-darwinistas como a brasileira, "a carne mais barata do mercado" continua sendo "a carne negra".
No caso, R$200,00. Esse foi o valor que, segundo a família, o jovem congolês Moïze Kabamgabe foi cobrar por serviços prestados no Quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca - Rio de Janeiro.
A violência/mortalidade contra a população negra no Brasil é apenas a ponta mais extrema de uma estrutura racista que divide a sociedade entre os integrados e a "ralé estrutural" (como chama Jessé Souza). Moïse tinha 24 anos, era negro, vivia na periferia e era estrangeiro. A ironia é que a família fugiu da guerra civil no Congo se refugiando no Brasil, mal sabendo que por aqui também convivemos com nossa própria guerra. Assim, ele tinha todas as probabilidades estatísticas contra si. Negamos nosso próprio racismo, camuflamos sob uma série de camadas, mas ele sempre reaparece, ali, na esquina, quando se faz a "natural" distinção que, de novo, separa quais vidas valem ser vividas e quais serão vítimas da necropolítica (expressão de um outro africano, Aquiles Mbembe).
Quando é que o Brasil irá fazer seu acerto com o passado e reconhecer os males que, como povo, fizemos aos negros, aos povos originários, às mulheres, aos LGBT+, aos ciganos... aos estrangeiros não-europeus?
Há um agravante no caso: o possível envolvimento de milicianos, um "anti-estado paralelo", que comanda grandes áreas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A existência de milícias, como qualquer forma de crime organizado, mina o Estado de Direito. Expõe o fracasso do Poder Público em impor a legalidade criada com a Constituição de 1988. Pior, quando esse não-estado toma instituições do próprio Estado; quando representantes do Estado fazem elogios (e até entregam medalhas) a milicianos, percebemos que o fim está próximo.
Racismo, xenofobia, violência, banalização da vida e milícia. Pouco mais de 30 anos após aprovada a "Constituição Cidadã" e assinados um sem-número de Convenções Internacionais de Direitos Humanos, percebemos que a luta pelo Estado Democrático de Direito nunca foi tão necessária, pois que, do outro lado da linha, o que há é a barbárie e essa, talvez, seja a grande escolha que, como povo, precisamos fazer: entre a lei e a barbárie, não há uma terceira opção.
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